Quem regula o termostato para a temperatura em que vivemos e a quantidade certa de oxigênio que respiramos é Gaia, a mitológica esposa de Urano e mãe de todos os seres vivos. Ela faz uma mágica todos os dias com o planeta Terra. Com alguma água limpa e algum ar puro, Gaia orquestra os reinos vegetal, animal e mineral para produzirem conjuntamente sua própria energia, alimentação e bem estar. Quem já tentou fazer isso com um boteco simples sabe que é difícil.
A bilhões de anos Gaia gira em torno do Sol sem parada para férias, manutenção básica, reposição de peças, descarte de lixo ou abastecimento de água fresca. Mesmo porque no espaço ainda faltam oficinas planetárias ou uma beirada galáctica para um pit stop rápido. Como Gaia mantem a casa e os jardins arrumados sem deixar lixo nos cantos é um mistério na pauta de várias ciências humanas, afinal ela se faz e se refaz á bilhões anos, na nossa frente e continua inimitável em sua grandeza.
Quem formalizou a Hipótese de Gaia em 1972 foi o cientista inglês James Lovelock, apoiado a seguir pela bióloga Lynn Margulis – wikipedia.org/wiki/Gaia_hypothesis. A hipótese já se transformou na Teoria de Gaia e hoje inspira novos caminhos para as ciências, espiritualidades místicas e até projetos de alimentação em todo mundo. É neste patamar que se discute a sustentabilidade e proposições originais para gastronomia e estilo de vida, conforme visto no “Madrid Fusion”, o primeiro evento mundial de alimentação pós pandemia.
fcsi.org/foodservice-consultant/worldwide/madrid-fusion-offers-holistic-view-circular-gastronomy/
A nossa lógica linear, que se acomoda no centro das ciências exatas, das máquinas, das linhas de montagem e até nos sistemas comerciais pelo mundo, é insuficiente para compreender como Gaia planeja e opera seu imenso restaurante giratório. Talvez adicione bio e eco na sua lógica, para decidir de repente e executar sem aviso prévio. Ela ignora privilégios legais, isenções fiscais ou protelações burocráticas, mas tem muita experiência para lidar com vida e morte e fazer o que acha certo. Por isso deve-se entender que a sustentabilidade é a arte de deixar Gaia existir em paz.
Nos governos do mundo, de direita ou esquerda, quando o dinheiro se junta ao poder, predominam os ‘investimentos” predatórios nas terras, nas florestas, nas águas e no ar, conforme o espectro de normalidades para os amigos do rei. Historicamente a depredação legalizada sempre deu muito dinheiro e agora invade também os negócios com tecnologia e incertezas nas informações. As soluções necessárias são substituídas por uma pauta de decisões urgentes e sem conteúdo. Enquanto as histórias vazias somem no ar, o tempo passa à toa e nem percebemos se as nossas áreas agrícolas e seus lençóis freáticos, por exemplo, já estão em processo de envenenamento. A desertificação fica para a próxima pauta, ao lado das químicas, transgênicos e doenças respiratórias.
Para um restaurante tornar-se sustentável, o esforço físico e o empenho econômico são mínimos. O mais difícil é cada cabeça superar a lógica sobre o que se desconhece. Por exemplo, o uso de alimentos orgânicos ou eco sustentáveis, tidos como mais caros, pode ser ao contrário, de custo menor que os alimentos envenenados. Para isso basta ter planejamento de consumo, saber das épocas do ano e dialogar diretamente com produtores ou cooperativas de agricultura familiar. Quem quiser mudar precisa se mexer, mas é só trabalhar com dignidade que tudo fica fácil.
A instalação de um restaurante sustentável pode começar com um bom filtro na sua entrada de água e uma mini estação de lavagem de copos. Um projeto Green inteiro vai além disso porque adiciona outros itens de Gaia para o bem dos clientes e operadores. Nas operações, a sustentabilidade pode ser adicionada aos poucos, em ações naturais e fáceis de praticar. O que importa é querer, ser sustentável e acreditar que é um jogo com mais conteúdo para todos. No Brasil, pode-se ainda escolher grupos já praticantes como greenkitchen, consultorias como da Valéria Pascoal ou projetos Green da Precx para continuar forte e feliz. Os clientes, colaboradores e vizinhos vão sentir a enorme diferença e o restaurante vai se estabilizar em um patamar superior.
Talvez mamá Gaia em sua versão humana, sente numa mesa da casa, tome um chá e lhe acene com um leve sorriso. É um sinal de sorte.